26.11.15

A perda da Maria

Depois de 27 anos sem qualquer sinal, o alarme do relógio biológico da Maria (nome fictício) soou. Conversou com o F. e marcaram uma consulta pré-natal. Fez análises, exames, iniciou o ácido fólico e parou de tomar a pílula. 4 meses depois, surgiu o tão esperado teste positivo. A segunda risquinha era tão clarinha que nem parecia verdade, mas era mesmo positivo sem margem de dúvida! Nesse mesmo dia, tal foi a felicidade de F. que ele contou a novidade aos amigos mais próximos.

A primeira ecografia foi feita no dia 14 de Fevereiro. Estava tudo bem! Tinha 5mm e já puderam ver os batimentos cardíacos! Estes pais saíram do consultório envoltos em felicidade. Como é que um ser tão pequenino podia já ser tão amado?

Na ecografia seguinte, o bebé já teria 9 semanas, mas foi aí que o pesadelo começou. Assim que a médica começou a fazer a ecografia, a sua cara indicava que alguma coisa não estava bem. Na sua inocência, Maria nunca pensou que fosse o que realmente seria. Entretanto, ela diz “Infelizmente, tem uma gravidez não evolutiva…” Maria gelou! O bebé tinha parado de se desenvolver desde as 7 semanas, ou seja, uns dias depois da primeira ecografia. A Maria não teve qualquer indício de que alguma coisa não estivesse bem. Até notou a barriga a crescer… Ainda na consulta, conversaram sobre os próximos passos a dar e optaram por esperar uns dias para ver se o corpo da mãe fazia a expulsão. Caso isso não acontecesse, deveria ir ter com a médica ao hospital. Foi isso que acabou por acontecer. Esse dia foi muito difícil. Maria chorou muito, mas não acreditava que aquilo estava a acontecer. “Porquê a mim? Porque é que aquilo tinha acontecido? Será que fiz alguma coisa de mal? Seria eu a culpada?” Essas eram perguntas sem resposta.

Depois contar à família e amigos o que tinha acontecido, foi como se a dor se tivesse instalado. Deu entrada no hospital, fez a medicação para a expulsão, mas o bebé recusava-se a sair e mantinha-se agarradinho à sua mamã. Como não havia descolamento, deram a Maria a possibilidade de esperar até ao dia seguinte e ir tentando a medicação ou ir ao bloco fazer a curetagem. Maria foi ao bloco. F., que até então a tinha apoiado em todos os momentos, não a pôde acompanhar. Quando acordou, já no recobro, Maria sentia-se vazia e com uma dor enorme na alma. O seu bebé já não estava consigo! O que se seguiu foram muitas noites sem conseguir dormir e dias passados a chorar. Um sofrimento indescritível.

Quando fizeram a consulta de seguimento para ver se estava tudo bem com Maria, a médica já tinha o resultado da autópsia ao bebé, mas não havia nada de concreto. As dúvidas continuavam. As pessoas à sua volta diziam que mais valia assim do que nascer com problemas, que mais valia agora do que mais tarde, que ainda era nova e que podia tentar mais tarde. Estas palavras causaram-lhe muito sofrimento na altura, apesar de Maria saber que o faziam apenas na tentativa de a reconfortar pela sua perda. Parecia que ninguém entendia pelo que Maria estava a passar, evitava-se o assunto, era como se nada se tivesse passado.

Para fazer a catarse da sua dor, Maria optou por ler bastante sobre perda gestacional e contactou com muitas mamãs que já tinham passado pelo mesmo. Foi muito bom saber de histórias semelhantes e conhecer mães que conseguiram dar a volta por cima e continuar a tentar. Foi verdadeiramente inspirador.

Maria e F. não desistiram e, 4 meses mais tarde, tiveram o seu segundo teste de gravidez positivo. Desta vez, a felicidade foi mais contida e mantiveram a novidade escondida. Marcaram consulta para fazer a ecografia, mas uns dias antes Maria começou a perder sangue e foi ao hospital. A espera para ser atendida pareceu uma eternidade e, quando chegou a hora de fazer a ecografia, o seu mundo parou outra vez. Tinha sido um aborto espontâneo e o útero já estava limpo. Uma vez mais, não baixaram os braços e continuaram o seu caminho. Ficaram com indicação médica para que, assim que engravidasse novamente, fizesse medicação de prevenção com aspirina e Progeffik.

Apesar de tudo, esta história tem um final feliz. Um ano depois do primeiro teste positivo, a felicidade volta a repetir-se. Sempre com medo, cautela e ansiedade, Maria viveu, assim, uma gravidez tranquila e o seu bebé nasceu às 41 semanas. Como Maria diz: “Hoje tenho um filho na Terra e dois no Céu, e tenho a certeza de que estão sempre a olhar por nós.

Imagem: Pais & Filhos



2 comentários:

  1. Essa podia ser a minha história... Com apenas uma pequena diferença... Estou grávida de 18 semanas e com muito medo que tudo se repita... A primeira perda é terrível, mas com muita dor aceitamos que por vezes acontece na primeira gravidez... A segunda perda foi dez vezes pior, estávamos optimistas que desta estaria tudo bem, e quando o pesadelo se repetiu caí num poço sem fim... Nunca chorei tanto na minha vida... é desolador, uma dor tão solitária... Agora está tudo a correr bem , mas não passa um dia sem que eu pense, e se tudo se repete novamente?
    Obrigada pelo post, é importante sensibilizar a sociedade para a perda gestacional.

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  2. Ai, Carla, lamento muito. Mas parabéns por esse bebé que tem na barriga! Eu própria passei a gravidez a pensar que podia perder a minha filha a qualquer momento. Não por ter passado por essa experiência de perda gestacional, mas porque uma querida amiga do coração passou por isso duas vezes e eu testemunhei o seu sofrimento. Comecei a respirar de alívio às 20 e tal semanas, quando os bebés já são considerados viáveis. Pesquisei imenso sobre perda gestacional e descobri coisas incríveis. Nem vale a pena pensar... Depois, o bebé nasce e a preocupação mantém-se e até aumenta com outras coisas. Acho que esta ansiedade acompanha as mães para sempre. Faz parte. Se está de 18 semanas, já sente o seu bebé? Foi quando eu comecei a sentir as borboletas. Aproveite a gravidez porque vai sentir saudades. Eu, que detestei estar grávida, tenho imensas saudades. :) Tudo de bom!

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